
“A verdade é que sabemos muito pouco sobre a vida, não sabemos realmente quais são as boas notícias e quais são as más notícias”, observou Kurt Vonnegut ao discutir Hamlet durante sua influente palestra sobre as formas das histórias.
“Todo o processo da natureza é um processo integrado de imensa complexidade e é realmente impossível dizer se algo que acontece é bom ou ruim“, escreveu Alan Watts, uma geração antes em seu caso de aprender a não pensar em termos de ganho ou perda.
Ainda assim, a maioria de nós passa parte do dia se preocupando com a perspectiva de eventos que julgamos serem negativos, possíveis perdas causadas pelo que percebemos como “más notícias”.
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A ansiedade por aquilo que ainda não existe
Na década de 1930, um pastor classificou a ansiedade em cinco categorias de preocupações, quatro delas imaginárias e a quinta, “preocupações que possuem uma base real”, ocupando “possivelmente 8% do total”.
Um ciclo de notícias de 24 horas, que ataca essa propensão humana, inegavelmente agravou o problema e inflou os 8% para aparecerem como 98%.
Mas, no cerne dessa distorção da realidade, está uma antiga tendência da mente, tão conectada com nossa psique que existe independentemente de eventos externos.

O grande filósofo romano do primeiro século, Sêneca, examinou-o, e seu único verdadeiro antídoto, com insight incomum em sua correspondência com seu amigo Lucílio Júnior, mais tarde publicado como Cartas de um Estoico (biblioteca pública) – o tesouro atemporal de sabedoria que nos deu Sêneca na verdadeira e falsa amizade e na disciplina mental de superar o medo.
Sobre medos infundados
Em sua décima terceira carta, intitulada “Sobre medos infundados”, Sêneca escreve:
Há mais coisas… que podem nos assustar do que nos esmagar; nós sofremos com mais frequência na imaginação do que na realidade.
Com um olho no hábito humano autodestrutivo e cansativo de nos prepararmos para o desastre imaginário, Sêneca aconselha seu jovem amigo:
O que eu aconselho que faças é não seres infeliz antes da crise chegar; pois pode ser que os perigos ante os quais estremeceste como se te estivessem a ameaçar, nunca irão acontecer; certamente ainda não chegaram.
Assim, algumas coisas atormentam-nos mais do que deveriam; algumas atormentam-nos antes do que deveriam; e algumas atormentam-nos quando não nos deveriam atormentar.
Temos o hábito de exagerar, imaginar ou antecipar a tristeza.
As preocupações racionais e irracionais
Sêneca, em seguida, oferece uma avaliação crítica de preocupações racionais e irracionais, usando uma retórica elegante para iluminar a tolice de desperdiçar nossas energias mentais e emocionais na última aula, que compreende a grande maioria de nossas ansiedades:
É provável que alguns problemas nos acometam; mas não é um fato presente. Quantas vezes o inesperado aconteceu! Quantas vezes o esperado nunca acontece! E mesmo que seja ordenado, o que valerá para se encontrar com o seu sofrimento? Você sofrerá em breve, quando chegar; por isso espere ansiosamente por coisas melhores.
O que você ganha ao fazer isso?
Tempo. Haverá muitos acontecimentos, entretanto, que servirão para adiar, ou para terminar, ou para transmitir a uma outra pessoa, as experimentações que estão próximas ou mesmo em sua própria presença.
Um incêndio abriu o caminho para a fuga. Os homens foram derrotados por uma catástrofe. Às vezes o movimento da espada é parado na garganta da vítima. Alguns homens sobreviveram aos seus próprios carrascos. Mesmo a má fortuna é inconstante. Talvez venha, talvez não; entrementes, agora, não é. Então, esperemos coisas melhores.
Dezesseis séculos antes de Descartes examinar a relação vital entre o medo e a esperança, Sêneca considera seu papel na mitigação de nossa ansiedade:
A mente às vezes modela para si as formas falsas do mal, quando não há sinais que apontem para algum mal; interpreta da pior forma alguma palavra de significado duvidoso; ou imagina algum rancor pessoal ser mais sério do que realmente é, considerando não quão irritado o inimigo está, mas a que extensão poderá chegar sua ira.
Mas a vida não vale a pena ser vivida, e não há limites para nossas dores, se entregarmos nossos medos ao máximo possível; neste assunto, deixe a prudência ajudá-lo, e despreze o medo com um espírito resoluto mesmo quando ele está à vista. Se você não pode fazer isso, combata uma fraqueza com outra, e tempere o seu medo com esperança.
Não há nada tão certo nesse assunto de medo como as coisas que tememos darem em nada e que as coisas as quais esperamos zombarem de nós. Consequentemente, pese cuidadosamente as suas esperanças, assim como seus temores, e sempre que todos os elementos estiverem em dúvida, decida em seu favor; acredita no que você preferir.
E se o medo ganha a maioria dos votos, incline-se na outra direção de qualquer maneira, e deixe de incomodar sua alma, refletindo continuamente que a maioria dos mortais, mesmo quando não têm problemas realmente à mão, certamente os têm esperados no futuro, e tornam-se excitados e inquietos.
Quando a imaginação pode ser uma inimiga
Mas o maior perigo da preocupação mal colocada, alerta Sêneca, é que ao nos manter constantemente tensos contra uma catástrofe imaginada, ela nos impede de viver plenamente.
Ele termina a carta com uma citação de Epicuro ilustrando esse ponto preocupante:
- O tolo, com todas as suas outras falhas, também tem isso, ele está sempre se preparando para viver.
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Complemente essa parte específica das Cartas de um Estoico com Alan Watts sobre o antídoto à ansiedade, Ítalo Calvino sobre como diminuir sua “preocupação” e Claudia Hammond sobre o que a psicologia da prevenção do suicídio nos ensina sobre o controle de nossas preocupações cotidianas.
Em seguida, revisite Sêneca sobre tirar o máximo proveito da vida e a chave para a resiliência quando a perda nos atinge.
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Este artigo é uma tradução do Awebic do texto originalmente publicado em Brain Pickings escrito por Maria Popova.

Escrevendo desde sempre, formada em jornalismo, fotógrafa por hobby, dando as caras na centraldoleitor.com, apaixonada por gatos, café e Harry Potter; Amandinha é leitora fissurada e estudante ininterrupta antes de qualquer coisa.